O século XXI não destronou os deuses — apenas os atualizou. As catedrais já não se erguem em pedra, mas em vidro e silício. O altar mudou de forma: é o ecrã. E os fiéis não rezam — fazem “scroll”.
A tecnologia tornou-se a nova religião da modernidade. Promete salvação através da eficiência, transcendência através da conexão e imortalidade através dos dados. Substituiu o milagre pela atualização de software e o mistério pela inteligência artificial. O seu evangelho é o progresso; o seu dogma, a velocidade.
Como todas as fés, também esta exige sacrifícios: tempo, privacidade, silêncio. Acreditamos que controlamos as máquinas, mas já é difícil saber quem serve quem. Os algoritmos conhecem-nos melhor do que os nossos amigos, e a devoção digital tornou-se invisível, quotidiana, inevitável.
Talvez o desafio não esteja em rejeitar a tecnologia, mas em devolver-lhe a dimensão humana. Reconhecer que os circuitos podem acelerar a vida, mas não substituem o sentido. Porque nenhuma inteligência — nem mesmo a artificial — pode amar, duvidar ou perdoar.
E quando a fé nas máquinas se tornar absoluta, será esse o sinal de que esquecemos o essencial: que o progresso só é real quando eleva o espírito, não apenas a performance.
© Pedro Miguel Rocha