A palavra “liberdade” perdeu a inocência. Invocada por todos, pertence já a ninguém. É bandeira e refúgio, argumento e escudo. Foi usada para justificar guerras, censuras, algoritmos e solidões. Tornou-se tão repetida que quase se esvaziou — como uma nota tocada mil vezes até perder som.
Durante séculos, liberdade significou conquista: o direito de pensar, escolher, existir sem tutela. Hoje, confunde-se com o direito de impor o próprio ruído. As redes sociais transformaram a expressão em exibição; a política, em slogan. Ser livre passou a equivaler a não ter limites — e é precisamente aí que começa a escravidão.
Vivemos cercados por uma ilusão de autonomia. Acreditamos decidir, mas é o sistema que decide o que vemos, o que desejamos, o que compramos. A liberdade digital é o cárcere mais confortável que a humanidade já construiu: feito de escolhas infinitas que nos conduzem sempre ao mesmo lugar.
Redescobrir a liberdade é, talvez, o maior desafio deste século. Implica reaprender o silêncio, a dúvida e a responsabilidade — três virtudes incompatíveis com o imediatismo da era. Ser livre não é fazer tudo o que se quer, mas compreender o que se deve querer.
Porque a verdadeira liberdade não grita: respira. E só quem é capaz de pensar por si, sem ruído nem medo, sabe o que significa — realmente — ser livre.
© Pedro Miguel Rocha