Vivemos tempos em que a mentira já não se esconde — repete-se. E é na repetição, não no segredo, que encontra o seu poder. Dita mil vezes, ecoada por vozes, ecrãs e algoritmos, transforma-se em versão, depois em narrativa, por fim em “verdade”. Assim se constrói a nova gramática da manipulação: substituir o facto pelo volume, a razão pelo ruído.
A mentira moderna não precisa de provas; basta-lhe audiência. Circula disfarçada de opinião, vestida de emoção, reforçada pela pressa. E quanto mais simples é, mais facilmente se propaga — porque a verdade, quase sempre, exige esforço. As redes sociais, concebidas para ligar pessoas, tornaram-se o púlpito perfeito da desinformação. Hoje, quem mente com convicção parece mais convincente do que quem pensa com prudência.
Mas há algo ainda mais inquietante: a indiferença. Já não se discute se algo é verdadeiro, mas se é útil, partilhável, viral. A verdade tornou-se irrelevante quando deixou de ser rentável. E é esse o ponto em que uma sociedade começa a perder o norte — quando a honestidade se torna menos eficaz do que o artifício.
Talvez resistir seja tão simples — e tão difícil — como voltar a duvidar. Como reaprender a pensar antes de partilhar, a ler antes de reagir, a escutar antes de julgar. A verdade não precisa de gritar: precisa de ser escutada.
E talvez o primeiro passo para reencontrá-la seja este — o silêncio corajoso de quem, no meio da repetição, se atreve a pensar.
© Pedro Miguel Rocha