A Europa nasceu do choque e do encontro. Foi império e ruína, pensamento e guerra, luz e sombra. Conheceu o melhor e o pior do ser humano — e é precisamente por isso que sabe o preço da paz. Hoje, quando o mundo parece regressar à lógica bruta da força, a União Europeia permanece como uma anomalia preciosa: um projeto construído não sobre a dominação, mas sobre o acordo.
Num tempo de discursos agressivos e estratégias oportunistas, a Europa insiste em valores que parecem frágeis — democracia, direitos humanos, dignidade, cultura, solidariedade. Mas não são fragilidades: são escolhas conscientes. Enquanto outros territórios redescobrem o músculo e o medo como instrumentos políticos, a Europa aposta na razão lenta, no direito, na convivência imperfeita. E isso exige coragem.
A Rússia de hoje fala a linguagem da força e do passado; os Estados Unidos, irreconhecíveis para muitos, parecem prisioneiros do imediatismo e da fragmentação. Entre ambos, a Europa escolhe outro caminho — mais difícil, menos espetacular, mas infinitamente mais humano. Não se afirma pela intimidação, mas pela memória. Não lidera pelo medo, mas pelo exemplo.
A Europa é cultura antes de ser território. É Dante e Cervantes, Beethoven e Camões, Hannah Arendt e Simone Weil. É a consciência de que nenhuma civilização sobrevive sem alma. E talvez seja essa herança — silenciosa, profunda — que ainda a torna necessária num mundo em perda de sentido.
O futuro da União Europeia não está em competir com impérios, mas em recordar-lhes o que esqueceram: que a verdadeira grandeza não está na força que se impõe, mas nos valores que resistem.
E enquanto a Europa souber quem é — e o que escolheu ser — continuará a ser farol. Mesmo quando o mundo parece preferir a noite.
© Pedro Miguel Rocha